quarta-feira, 16 de maio de 2012

A ditadura chegou ao campo

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Sei que é difícil atrair a atenção dos leitores para um assunto como este: "sementes". Mas das sementes e da liberdade de as plantar depende uma boa parte do nosso futuro porque 75% da biodiversidade agrícola foi extinta no século XX e as coisas não vão ficar por aqui.


O esmagador poder financeiro da indústria química quer multiplicar leis, por todo o Mundo, para impedir os agricultores de serem livres de usar as sementes não certificadas nas colheitas seguintes. A espiral é terrível: quanto menor produção agrícola com sementes ancestrais, pior comeremos.


Num filme notável chamado "Food Inc." (Comida, Lda.) os autores mostram, por exemplo, como a multinacional Monsanto consegue perseguir e levar à falência vários produtores rurais. O argumento é simples: se no campo deste agricultor houver plantas cultivadas com sementes Monsanto e ele não for cliente da empresa, é processado por estar a usar sementes patenteadas, mesmo que elas tenham sido propagadas pelo vento e estejam misturadas com as suas. A natureza passou a ter 'dono'.


A Monsanto é a mais importante empresa mundial produtora de transgénicos. Atrai os agricultores através de um marketing aliciador de melhores colheitas. Mas os alimentos obtidos a partir de sementes alteradas laboratorialmente, cujo ADN não é compreendido pelos organismos humano ou animal, arrastam interrogações que não compreendemos antecipadamente. Foi assim que se alimentaram herbívoros com rações à base de carne e se rompeu uma lei da natureza. Esta experiência foi um dos motivos apontados para o surto da doença das vacas loucas.


As culturas transgénicas estão já na mesa de pessoas de todo o Mundo. Surgem em coisas tão importantes como a alimentação dos bovinos (por exemplo, na carne importada do Brasil ou da Argentina), na soja, arroz, milho ou em algo tão simples como o mel produzido por abelhas próximas de campos transgénicos.


Um relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) dizia recentemente que a maioria dos alimentos consumidos no mundo ocidental provém apenas de 12 espécies de plantas e cinco espécies de animais, apesar de terem sido catalogadas milhares de espécies comestíveis. Pior: arroz, trigo e milho constituem 60 por cento da alimentação humana, sendo estes, na sua esmagadora maioria, provenientes de sementes tão apuradas que o nosso corpo já não 'lê' estes alimentos como "arroz", "trigo" ou "milho". Obviamente nem vale a pena falar da 'fast-food' ou da comida industrial.


Cristina Sales, uma médica que o Porto tem a sorte de ter por perto, escreve há vários anos sobre o caos da alimentação moderna e percorre o Mundo como oradora em conferências com este tema. E o que diz? "O nosso corpo tem um histórico de milhões de anos na absorção dos alimentos e está cada vez mais incapaz de reconhecer o que come. Não tem as enzimas necessárias à sua digestão e metabolismo. Por isso gera uma reação inflamatória contra os alimentos porque os considera 'elementos estranhos', como se fossem tóxicos. Essa é uma das razões porque tanta gente aumenta de peso ou de volume: porque retém líquidos nesse processo inflamatório. E isso afeta todas as pessoas, incluindo as magras".


Jude Fanton, da organização "Seed saver (Salvar as Sementes)" disse há meses ao programa Biosfera, da RTP2 (com o qual trabalho) uma coisa simples: "Se nos recordarmos do sabor da comida dos nossos avós - as maçãs, os vegetais, etc. - eles tinham um sabor verdadeiramente forte e intenso. Isso significa mais nutrição. Essa é talvez a razão pela qual estamos a engordar. Temos de comer cada vez mais para conseguir os nutrientes de que precisamos".


A ditadura agrícola e alimentar é este louco processo de quebrar as regras da natureza em busca de mais rentabilidade. Se fecharmos os olhos à origem dos alimentos, contribuímos gradualmente para uma vida cada vez mais tóxica. Essa perda de 'liberdade de escolha' e 'biodiversidade essencial' afeta o ADN humano que não deveríamos alienar numa só geração. Além disso, replica o modelo económico que supostamente queremos combater: os lucros ficam com as grandes multinacionais e as doenças em cada um de nós.



- Comer milho transgénico é perigoso? - Nem por isso!


Artigo de Daniel Deusdado

http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=2414382&opiniao=Daniel+Deusdado


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10 comentários:

  1. Excelente, vou colocar este post em vários lados: no meu facebook e no da Manuela uma militante esclarecida do http://sustentabilidadenaoepalavraeaccao.blogspot.com/

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    1. Rogério,
      sempre na luta!

      Decididamente tenho a sorte, no meio desta apatia toda, de conhecer pessoas com as mesmas ideias e preocupações do que eu, e isso deixa-me feliz.

      Já pensei que um dia talvez pudéssemos criar um blogue ou um site conjunto, com esta dúzia de pessoas que forma uma tertúlia dos tempos modernos, um núcleo fantástico, que funcionaria como um grupo de informação e discussão alternativo.

      Estas pessoas que diariamente lutam pela verdade informativa e onde cada um com as suas particularidades contribui para a construção utópica de um mundo melhor e mais justo.

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  2. Olá Octopus...

    Antes do comentário: Que sorte que Octopus não é palavra portuguesa... senão era Otopus!! eheh

    Agora o dito...
    Octopus... Não entendi patavina! Primeiro porque na televisão ainda não vi/ouvi nada a falar mal da Monsanto, nem sobre a falta de biodiversidade. Segundo os Açores até parece que gostam do milho GM! E ainda não vi as vacas Açorianas com o formato de espiga de milho! Já vi sim na televisão a notícia de que nos Açores são incinerados centenas de vitelos pois são sub-produto da industria leiteira e não servem para mais nada...

    Acho que se fizesse extremamente mal aos Povos do Planeta os nossos Políticos e principalmente os nossos Cientistas já tinham nos alertado para isso, em MASSA e em Alta VOZ... Bem diferente da minha claro está!

    Abraço

    (Estou a variar!)

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  3. Voz,

    Sempre apreciei o teu sentido de humor nos vários comentários que fazes.
    Frequentemente dei por mim a rir interiormente com alguns que fazes no blogue da nossa amiga Fada do Bosque.
    Partilho contigo a derisão e capacidade de rir destas situações sérias que abordamos. Só não o faço habitualmente para manter o "nível intelectual" que muita gente espera de mim. Nos vários artigos que escrevi ao longo destes 3 anos só utilizei o humor sarcástico, de que tanto gosto, nos artigos sobre os acontecimentos do 11 de setembro.

    Claro que se os OMG fossem nefasto para a saúde que os nossos bons governos já nos teriam alertado e que os numerosos cientistas a saldo dos grandes grupos financeiros também. São tudo medos infundados, nós que somos gente que desconfia de tudo.

    Um grande abraço

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    1. Acho que se não levar a coisa assim... Começo a fazer coisas que não desejo!

      Relativamente ao meu comentário... apesar de ser em tom estranho, andam por lá umas realidades que aproveito agora para deixar aqui a ligação para uma delas!

      Com realidades destas o meu refúgio é, ainda, o humor!
      Abraço...

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  4. Este post está ótimo dr. Octopus. Já li montes de artigos a respeito, e não vejo alusão a aumento de volume provocado por retenção de líquidos, inflamações e obesidade relacionados com uso de transgênicos, o que me parece que faz muito sentido. Abraços

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  5. Relativamente aos nutrientes... Ainda outro dia estive a ler o resultado do último grande estudo sobre a quantidade deles nos nossos alimentos... e a coisa está a ficar deveras assustadora... Vai ser alvo de publicação futura lá no TEMPO... quando me passar esta fase de diversão sobre a nossa espécie e seu comportamento animal!

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  6. "carne de tango" transgénica? Nao, obrigado.....

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  7. Olá Dr. Octopus.

    Concordo com a Maria, o post está óptimo, embora me custe dar elogios, pois parece desfaçatez... afinal quem sou eu? Mas, depois de andar anos a seguir o blogue da Mana Manuela, o Sustentabilidade é Acção e o do Voz, O Tempo Chegou, penso que estou esclarecida e sinto-me no direito de o elogiar! :)

    Só falta aqui uma "pequena coisinha" os "senhores esclavagistas" obrigaram a retirar da TV Globo e do youtube uma reportagem sobre o DUMB Arca de Noé, no Ártico com muitos pormenores do que poderá vir a ser uma boa vida para esses senhores, no subsolo. Apesar disto: "A maioria dos alimentos consumidos no mundo ocidental provém apenas de 12 espécies de plantas e cinco espécies de animais, apesar de terem sido catalogadas milhares de espécies comestíveis." Não se coíbem de dizer que estão a armazenar lá todas as espécies que podem, no caso de sementes claro, mas até animais de pasto eu vi em tais instalações. Se não visse não acreditava!

    Ainda pode ver esta notícia:

    Carne artificial pode começar a ser produzida ainda em 2012
    Cientistas holandeses podem ter descoberto método de criar alimentos artificiais, que não afetariam o meio ambiente.

    Leia mais em: http://www.tecmundo.com.br/ciencia/18023-carne-artificial-pode-comecar-a-ser-produzida-ainda-em-2012.htm#ixzz1vERCYDB2

    Quanto ao sabor... é comparar os frutos aqui da nossa horta, com os que se compram nos hipermercados e que segundo a minha outra irmã que fez um estudo, são venenos em potência, especialmente cenouras, alface e morangos.

    Um beijo.

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  8. Fada,

    Um dos meus filhos já me tinha falado da possibilidade de criar carne artificial. Quando me-o disse, há alguns meses, fiquei perplexo e incrédulo, mas após ele me ter mostrado vários artigos, tive de chegar à conclusão que estamos muitos próximos de conseguir esse facto assustador.

    Beijos

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