quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Praxes

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Se há algo que demonstra a degradação em que tem caído a nossa sociedade é a proliferação de praxes académicas, a pretexto de uma tradição que não tem qualquer cabimento, especialmente em universidades que surgiram no século xx


Na verdade, as praxes académicas, pretendendo ser rituais iniciáticos, são efectivamente exercícios de sadismo e de humilhação, que nunca deveriam ter lugar num Estado de direito. Invocando uma tradição académica inexistente, praticam-se a coberto das praxes verdadeiras violações dos direitos humanos, por vezes com consequências trágicas para os estudantes envolvidos. 


O que mais choca nas praxes é a total complacência das autoridades académicas e dos responsáveis políticos, que têm transigido com essas práticas em lugar de as reprimir severamente. Não é aceitável que os claustros universitários, em lugar de serem destinados ao ensino e à investigação, sejam utilizados como coliseus onde se praticam verdadeiros massacres de estudantes.


E muito menos é aceitável que as universidades, em lugar de acautelarem a segurança física dos seus alunos, aceitem pacificamente que os mesmos sejam submetidos a práticas de risco para a saúde e a própria vida. 


Em 1727, D. João V determinou que "todo e qualquer estudante que por obra ou palavra ofender a outro com o pretexto de novato, ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos". Sigam o exemplo do Magnânimo e decretem desde já medida semelhante. Vão ver como estes abusos acabam num instante. 




Texto de Luís Menezes Leitão

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa. Escreve à terça-feira
Publicado no jornal i dia 28 janeiro 2014


7 comentários:

  1. Xi... Que exagero.

    Que não se goste de, e repudie, as praxes, e se tente também convencer outras pessoas a não participar nelas, é uma coisa.

    Agora, andar a perseguir e a reprimir quem nelas participa, de livre vontade, já é estar a violar o direito das pessoas de fazerem o que bem entendem, desde que não prejudiquem os outros.

    Ninguém, de bom senso, participa, ou faz os outros participar, nestes actos contra sua vontade. E, se há quem neles queira participar, o problema é, ultimamente, sempre deles...

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  2. Portugal, siempre con una legislación más civilizada que españa.......¡Bravo por Don Joao V!

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  3. O problema Fernando é que muitos dos que participam nas praxes são coagidos a nelas participarem com o "risco" de ficarem de "fora"

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    1. O problema, nesse caso, está então no facto dessas mesmas pessoas serem cobardes.

      O que deverão fazer, se não gostam das praxes, é simplesmente rejeitá-las.

      E, se isso é algo que lhes é difícil, então, estão na idade de se fazerem pessoas capazes de enfrentar desafios que possam ser difíceis.

      Eu, apesar de inicialmente encarar tudo isto como uma mera brincadeira, da qual eu tirava algum gozo, e uma em que nada do que se fazia era para ser levado a sério, alinhei, de início com as mesmas. Mas, sempre com a reserva mental de que, caso me mandassem fazer algo de que eu não gostasse, mandava tais pessoas "dar uma curva". E estive, numa ocasião, prestes a me chatear seriamente com alguém por não acatar com a sua "ordem". E, depois disto tudo, poucos anos depois, estive também envolvido numa campanha contra as praxes.

      Mas, uma coisa de que lembro bem, para além dos constantes avisos dos "veteranos" do meu curso, de que "só era praxado quem o queria ser", foi de ter conhecido colegas que não apareceram (ou que ainda não tinham entrado) na altura das praxes, suspeitar eu (e, não sei se mais alguém) de que, quem não tinha aparecido por decisão própria, o tinha feito por não querer ser praxado e, nem eu, nem ninguém que eu tenha visto, descriminámos, ou deixámos de socializar de igual modo com, tais colegas, por causa disso.

      Ou seja, estes colegas não deixaram de se integrar tão bem como os restantes, só por não terem participado nas praxes.

      Tendo sido, até, esta uma das razões que me levaram a criticar, posteriormente, toda esta palhaçada.

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    2. Meu grande amigo,

      Pela subjugação e humiliação a que estão subjacentes as praxes recusei-me a nelas participar e sempre fui contra.

      Tal atitude de subjugação a um poder militar também me criou problemas aquando do serviço militar obrigatório e que me valeu 14 anos de vários processos judiciários por recusar esse "serviço".

      Apesar de me dizerem que iria ter um serviço militar dourado (como médico), evoquei para não o cumprir razões éticas e filosóficas que obviamente não compreendiam.

      Finalmente, e após ter recorrido ao tribunal constitucional, o meu processo foi arquivado.

      As minhas razões de detestar as praxes são as mesmas que sempre me conduziram nas minhas convicções: a liberdade de opção pela não subjugação.

      Um grande abraço

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    3. Pois.

      Talvez o meu problema, na altura, foi nunca ter levado nada daquilo a sério - e não ter percebido que havia um considerável número de pessoas que o faziam...

      Mas, olhando depois para trás, concordei com quem me dizia que tudo aquilo era estúpido. E que, sendo a sério ou a brincar, a humilhação é algo que não se deve nunca promover.

      Razão pela qual sou hoje contra estas ditas praxes.

      Um grande abraço.

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  4. Quando terminei o meu curso de oficiais milicianos fui colocado no RAP3 Figueira da Foz. Após a recepção da chegada à noite colocaram-nos em viaturas e com capacetes e metralhadoras fbp levaram-no para as matas de Quiaios onde havia lagoas que muitos desconhecíamos e deram-nos a indicação para irmos ter a Quiaios. Esta brincadeira deu para torto e 2 colegas desapareceram e só a meio da manhã foram encontrados qd estava tudo em pânico. Após este episódio juramos não colaborar nas praxes do curso seguinte e passei a detestar as praxes.

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